Os fazendeiros viviam um bom momento, bons ares, sobrava vontade e capacidade de empreender. O preço da terra estava caro, levando muitos a procurar desenvolver a cacauicultura em Rondônia e no Pará. A nova geração queria e pedia a transição para uma cacauicultura moderna, mais eficaz, menos dependente de mão de obra, e tinha disposição de pagar o preço. Já a CEPLAC tinha parado no tempo e tendia a dar marcha a ré; os sinais ainda eram sutis, mas existiam. O apartamento, o desinteresse da instituição pelo cacauicultor tomava forma, o descarrilamento podia ser visto. /Alex./
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Foto by Rose. |
Naquele domingo 25 de janeiro de 1987, voltando de minha fazenda nas planícies na divisa de Canavieiras com Belmonte, com a pick-up carregada com o último corte de cacau (na várzea do rio Salsa o cacau era tardio), vi a noite cair rápido. Em roças de várzea a podridão parda não perdoa, é o principal problema, e era nisso que eu pensava enquanto dirigia; como 1986 foi um ano seco esta fazenda produziu muito bem!
Eu já estava fã do cacaueiro a pleno sol e tudo que eu observava no dia a dia das roças só reforçavam essa convicção. Tinha lido tudo que consegui sobre uma pesquisa de Paulo Alvim, com cacau irrigado na caatinga, e sobre essa pesquisa, corria nas conversas entre cacauicultores que o cacaueiro gostava era de sol na cabeça e água no pé. Lendo sobre expedições de botânicos na Amazônia, vi relatos de cacaueiros nativos nas várzeas a pleno sol; jamais encontrei relatos de cacaueiros dentro da mata. Até, na virada dos anos 1960 para 1970, a CEPLAC incentivou a retirada da sombra… mas, algo aconteceu [Sim! Algo ideológico] e de repente apareceram as famigeradas eritrinas e seu alardeado milagre de fixar nitrogênio. Eu tinha conseguido emprestado um livro (hoje este livro deve ser raríssimo), escrito por um cacauicultor que discernia sobre a cacauicultura a pleno sol; contava também casos pitorescos como o de uma jaqueira que não foi retirada por se tratar do melhor “restaurante” da fazenda. Visitei a fazenda de Frederico Edelweis, onde tinha uma roça neste padrão e fiquei encantado! Não tinha mato, pois era “bate folha”, respondia muito bem a adubação e carregava demais. Também nesta visita fiquei sabendo que o cacaueiro podia ser enxertado… quase pirei a imaginação! A irrigação era realidade em muitas fazendas, visitei duas no rio pardo: a de Manoel Andrade e a de Dr. Moisés. A polpa de cacau era a febre do momento, gerando mais renda. Tudo era progresso, a região ansiava por tecnologia para o novo salto; estava pronta! Os cacauicultores estavam aptos e ávidos em empreender.
… a vassoura-de-bruxa paria na fazenda de Selerino de Almeida, a primeira vítima.
O dono das mulas sabe que sem acabar com a CEPLAC jamais acabaria com a cacauicultura, e tinha ciência que os cabrestos psicológicos estavam bem botados!
Naquele 1987 a CEPLAC balançava fortemente, entrara em bagarre1 desde a federalização. O pulso (e o profundo conhecimento de seu funcionamento) de José Haroldo fazia falta, isso impactava diretamente os fazendeiros, pois alterava, inclusive, a velocidade de reação no combate às pragas. A revenda de materiais agrícolas fraquejava, faltava tudo! Incompetência, ingerência, desídia começaram a reinar; picuinhas de toda espécie eram mais importantes do que ter adubo na hora certa nos depósitos. O mero ato de abrir o depósito para a retirada dos materiais virou motivo de brigas entre ceplaqueanos; o cobiçado cobre Sandoz quando aparecia, era pouco e fora do calendário de aplicação. Tudo isso refletia na porteira da fazenda de forma desigual; alguns agricultores iam comprar em Itabuna, deste modo arcavam com o aumento de custo; outros alguns esperavam aparecer na revenda e arcavam com o custo de estocar os insumos na fazenda; a maioria pacatamente, mansamente, resignadamente, assistia a podridão parda levar toda produção, deixando de brinde, um ano de trabalho perdido. Enquanto isso, nos gelados escritórios da agora cruel CEPLAC, em meio à completa falta de empatia com o cacauicultor, num ambiente de indolência generalizada, os cabeçudos dirigentes bolavam planos de como refazer a roda… Os donos das mulas filosofavam em como mostrar a nudez dos anjos… as mulas confabulavam espertezas nas agradáveis varandas do DEPEX… os mascarados cabeçudos ao chegar na varanda explicitavam seu espírito asinino… Aí nasce o ponto de inflexão da cacauicultura.
Essa filosofia nascida nas varandas do DEPEX chegou a todos os escritórios locais das cidades, na forma material de um colchãozinho enrolado no canto. Como? Os agrônomos não mais moravam nas pequenas cidades, todos queriam uma vida melhor, assim, mudaram-se para Itabuna ou Ilhéus. Como chegavam na segunda-feira numa ressaca da peste, era só abrir o colchão no chão, ligar o ar condicionado, instruir a secretária que estava visitando uma fazenda e dormir o dia todo! Na sexta-feira o esquema era inverso, avisava que sairia cedo para pegar umas amostras de solo, daí, dava um zignal aqui, outro ali, e meio dia estava em casa; simples e bom; não é! Tudo feito com combustível da CEPLAC, o que demandava uma mentirada da desgraça; no restante da semana a assistência técnica não podia ser feita devido à falta de combustível! Devido ao carro está quebrado! Devido à falta de motorista! (sim, nesse tempo o agrônomo não dirigia o carro, tinha motorista). Enfim a assistência técnica foi sacrificada para dar vida boa a poucos. Triste fim a instituição estava corrompida, permissiva, destrambelhada, sem dono, sem objetivo, existindo somente para servir aos funcionários.
Foi como no livro Crônica de uma Morte Anunciada todos sabiam que terminaria em merda, e terminou em merda. O crime da vassoura-de-bruxa, para acontecer, precisou primeiro subornar a CEPLAC criando um ambiente de sabidos permissivos, fiscais cegos, pesquisadores vesgos e embusteiros de todas as espécies; todas as desgraças do inferno de Dante aconteceram. Desgraça das desgraças não é saber, muitos sabem, é admitir que a CEPLAC não fosse despreparada para enfrentar a vassoura-de-bruxa; ela era preparadíssima! O maior centro de pesquisa em cacauicultura do mundo foi moído, corrompido, apartado do cacauicultor já que não atendia aos seus anseios, encabrestado intelectualmente; não quis e intencionalmente se recusou a fazer qualquer coisa, enfim foi conivente com o crime! O trem estava próximo a descarrilar.
1- no sentido na língua francesa: grande confusão, desorganização. Coronel Xela. Por:
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